Resenha Ricardo e Vânia
- Jornal Expresso Anhembi
- 29 de out. de 2020
- 2 min de leitura
POR: MURILO BUENO
“O pecado comete-se no meio da escuridão que envolve as almas. O culpado não é o que peca, mas sim de quem produziu a sombra.” Victor Hugo, Os Miseráveis. O incrível Ricardo e Vânia, de Chico Felitti, nos apresenta a trajetória real de uma figura quase que folclórica da cidade de são Paulo. Nascido de uma matéria para o portal Buzzfeed, “Fofão da Augusta? Quem me chama assim não me conhece”, de 2017. Em 2019 a história ganha um aprofundamento ainda maior, sendo lançado no formato de livro pela editora Todavia. Logo de início somos apresentados ao plano inicial: um homem está internado no Hospital das Clínicas, ele teve o dedo amputado e vem tendo surtos. Quem ele é? De onde ele veio? Ninguém sabe. Esse homem não tem RG. Não possui casa ou posses. Está na ala “Desconhecidos”. Esse homem não tem amigos nem família. Esse homem não tem nada, além de um apelido maldoso e uma triste história de vida. Ricardo Correa nasceu em Araraquara, cidade do interior de São Paulo. Mais tarde, Ricardo receberia outro nome: Fofão da Augusta. Tal alcunha foi designada devido sua aparência física. Durante toda a vida Ricardo aplicou silicone, por conta própria, em suas bochechas. Sonhava tanto em se parecer com uma boneca de porcelana que se tornou como uma. Como uma boneca de louça velha, Ricardo foi largado à míngua para fosse trincado, estilhaçado. O livro narra também a vida de Vânia, o grande amor da vida de Ricardo. Vânia nasceu Vagner e posteriormente se descobriu como mulher. Também do interior de São Paulo, Vânia conheceu Ricardo quando se mudou para São Paulo e ambos se tornaram parceiros. Parceiros de trabalho e de vida. Durante os dez anos que estiveram juntos, Ricardo e Vânia viveram altos e baixos e quando as coisas ficaram mal em São Paulo, voltaram para Araraquara, onde abriram um salão. Mas com a ascensão da AIDS e do preconceito veio a queda do casal. Vânia foge para Paris, onde mais tarde se vê obrigada a se prostituir. Ricardo volta para São Paulo, onde vive o resto dos seus dias em situação de rua a entregar panfletos. Ricardo e Vânia conta a história de alguns dos milhares de LGBTs que já foram apontados, espancados, excluídos e ridicularizados pela sociedade em que vivemos. Expõe a realidade da vanguarda corajosa que deu a sua cara a tapa para poder ser quem eles realmente eram. Escancara a sociedade hipócrita que exclui, simplesmente, por ser e julga pelas atitudes em decorrência da dessa exclusão. Apesar da narrativa não linear e um pouco confusa, Felitti apresenta a história com uma excelência, sinceridade e sensibilidade que apenas uma pessoa integrante da comunidade LGBT saberia descrever. Ele transporta o leitor, por uma escrita cativante, a todo seu trabalho, impecável, de meses de pesquisa.
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